impasses das [ou com as] novas subjetividades no seio da crítica: sobre a agressividade (1)

Eu sei que há em mim o crime e a maldade. 
O resto não sei. 
Eu mantenho isso assim junto de mim, 
e me viro com isso. 
M. DURAS

A. Kiefer


A confusão entre a entrada da subjetividade na crítica (na pesquisa, na investigação, na produção de conhecimento) depois de tantos anos em que isso foi vedado e vetado vem criando muitos embaçamentos e tropeços.

Alguns produtivos, outros, a meu ver, apenas interessados, como sempre, na manutenção do poder ou do status quo. Sejam eles quais forem e aonde estiverem.

Observo que um dos modos dessa confusão está em achar que a subjetividade no seio do exercício crítico se compraz com a figura apoteótica da pessoa que acha que é o que é. Logo: que o que acha é o que é. Faltam novos modos de averiguação, de colocar em diálogo, novas metodologias em comum, quando trata-se de também deixar que a subjetividade crie suas marcas críticas.

Mas reconhecer essa necessidade deveria vir antes dos duros julgamentos ou retaliações. Oriundos da crença nefasta e ingênua que acha que basta ser você (e aí o você vai continuar apenas endossando o caldo dos sobrenomes, desse "grande" Brasil de capitanias "hereditárias"...), ou olhar para o que você fez que tudo magicamente se escreverá. Ou então algo como: você pensa assim porque você é assado. O que acaba acarretando, além do contumaz narcisismo como mote de tudo, num outro problema ainda mais delicado dos nossos tempos.

Assim como participamos e vemos um crescente e benéfico movimento de entrada da subjetividade na crítica também vemos uma politização maior e mais intensa de tudo o que seja vivo. (lembro-me de quando comecei a dar aulas na PUC tocou-me ministrar a disciplina "Cânone Ocidental" e ainda recordo-me do espanto de muitos alunos quando propunha pensar o conceito de cânone a partir da noção microfísica do "poder" de Foucault. Eles espantavam-se que a literatura e o mundo literário pudessem ser tão "politizáveis" assim...). E hoje política está em tudo onde haja vida. E incluso na morte. Vide a quantidade de assassinatos e silenciamentos que assombram as nossas sociedades.

Agora veja: se à crítica responde uma subjetividade essencial, crente em si mesma, cujo umbigo é o centro de emissão e vibração à política na e da vida corresponde um julgamento, ou muitos julgamentos dessas mesmas pessoas que emitem sem parar as suas ideias criticas.

O desejo de julgamento é o pior caminho que poderiamos dar para as novas subjetividades políticas e críticas que insurgem. Mas é o que cresce. E garanto a vocês que sair dele não é encontrar a anarquia ou o caos. Nem a passividade. Muito menos reencontrar o silêncio. Ou a ausência de direito à denúncia.

Assim como sair dessas pessoas essenciais, que creem controlar suas imagens zumbis em boas ou más, calmas ou agressivas, não é voltar para um impessoal elitista e retórico. Cheio de inviviveis e indizíveis belos e heroicos.

Deixar o mártir e o herói deveria ser a nossa tarefa. Como responsabilidade real e madura diante desse mundo sem representação e sem representantes únicos. Puros. Idealizados. Papai, mamãe, titia.

Estamos esgotando caminhos com julgamentos pessoais que servem à retaliação e incluso à morte de alguém.

A disputa de narrativa hoje deveria ser para encontrar modos e modelos transitórios num mundo sem mártir e sem herói.

Desejo de justiça e força de combate não são. Vou repetir mil vezes. Iguais à uma pessoa agressiva ou vingativa...Até porque fora de uma perspectiva exclusivamente moral, como nos encorajam tomar muitos críticos e escritores, agressivos e vingativos somos todes (vide a epígrafe de Duras)...

Quem matou Marielle e Anderson deve ser a pergunta para conseguirmos acreditar minimamente num viver junto futuro que não seja só julgamento (a memória não é um dever para com o passado, mas as condições de ir adiante, memória passiva equivale à produção de mártires).

Assim como lutar por justiça não equivale a esse modo condenatório que assume a figura do julgamento num país como o nosso. O combate não é igual a guerra. E ser combativa não é ser possuidora de uma psicologia agressiva. Um ser todo aí, posto, conspurcado - a agressiva, vítima desses olhos vermelhos e sedentos, desse mundo já sem cor, sem capacidade de produzir simbolicamente laços comuns... "O tudo poder" deve ser a figura investigada como efeito lúdico-perverso dessa proliferação de julgamentos...

Estamos voltando aos piores estados do essencialismo psicológico. Muitos desses médicos "da vida" escreveram justificativas para os militares durante a ditadura. E eram excelentes pessoas. Conheci alguns. Enfim.

Não adianta numa guerra pedir amor ou camaradagem. Mas escolher o combate. A responsabilidade. A verdade na tua luta. Ah, sinceramente, para mim vão continuar valendo dez vezes mais do que uma falsa e compulsória memória. Ou uma pseudo boa-educação.

Comentários