quem deixa um traço, deixa uma ferida (henri michaux)
quando alguém destrói alguma coisa em nós
o istmo do tempo
ou um certo adernar
o vento, claro
e o mar adentro
a lembrança, nesse caso, é apenas um gesto.
um traço.
um traço é sempre uma ferida
no corpo
nos centros
desse nós inacessível
nenhum dentro
vive na destruição
mas um exterior indomável
esse nosso amor de hoje
quase como a profecia
do ‘nunca ali estivemos -
fora’.
quando alguém destrói alguma coisa em nós
não há mais o um
talvez com sorte
um certo comum
um amparo
como um aro
fino
cortando o vento
do tempo veloz
e as velas abrindo
o bico
enviesado da água
essa lama
de onde partimos
sem saber
onde está
a chama
esse revolver
fundo da terra
sem hera
sem herança
sem lembrança. alguma.
1. [era uma pluma. pousada breve.
entre o tempo e o vento.
que arrasta.
e deixa essa cratera.
os furos da terra.]
2. [venho dizendo que no brasil ainda não começamos a ouvir as histórias –e logo a compreender os efeitos, as feridas de modo mais concreto e material- das vozes que silenciamos. e são tantas. em camadas tão distintas. os negros e negras. essa camada tão funda do racismo ainda entre nós. as mulheres. tão pungente e difícil o machismo hoje. e como fazer com que um homem entenda que a violência mais brutal ao corpo da mulher – o estupro e o assassinato – são no fundo efeitos de uma série fina e eficaz de muitos pequenos e sucessivos [nós], os golpes, que vêm ao longo dos tempos calando. calando. a segregação social – os pobres. os nordestinos que foram a matriz discursiva dos romances de 30. e que continuamos hoje sem ouvi-los. e eles. sem dizer? ou apenas dizendo nos espaços confessionais das igrejas. neopentecostais?...o silêncio político – como ainda nos falta ouvir as histórias, não exatamente do ponto de vista único da lei, mas essa força subjetivante que narrar propicia, dos homens e mulheres que viveram na ditadura militar. presos e presas mas também os familiares. que crescemos assim em silêncio. eu mesma. fruto direto de tudo isso.
venho entendendo que passamos todos agora por uma imensa precarização simbólica. e que necessitamos doar. ouvir. e inventar sentidos. múltiplos. diferentes. em combate ou conflito. sentido como alimento. para atravessar esse horizonte que depaupera não apenas as condições materiais de tantas vidas como acontece hoje no estado e na cidade do rio de janeiro. mas também elimina esse solo meio elo. meio liga. meio lama. de onde tudo nasce. e morre. esse caldo. amorfo. e as vezes de gosto difícil. essa matéria da vida. sempre em diferença. num breve e constante desigual. que une a voz aos corpos. a tão temida e desconhecida materialidade do discurso, como queria o filósofo careca. é ela agora quem nos acomete. e também quem nos propicia.]
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