fulminato [7]

Do desejo de escrita – uma certa borra das coisas

Ana Kiffer

Congresso ABRALIC 2017 – UERJ
Simpósio Poesia e Interfaces
(orgs):
Masé Lemos, Marcelo Jacques de Moraes
e Mauricio Mendonça Cardozo

Nota de Abertura:
Antes de começar a ler o texto disse que nos últimos tempos tenho preferido falar a ler nas palestras que fazemos por aí. Para escapar ao texto-centrismo e seus efeitos. Um deles o do nosso próprio cansaço face ao excesso de palavras inúteis que a língua nos obriga engolir. Mas ali, em respeito ao tempo e a sua partilha somos obrigados a escrever. Hoje, quando escrevo, algo se passa com a minha mão que desconheço. Descontrolando-a. E o ato performático tinge a escrita. Ou simplesmente a contaminação entre as dicções poéticas e ficcionais – que ocupam a metade do meu tempo de escrita – perfuram o regime discursivo do meu texto crítico. Sim, deslavadamente. Ah e também disse que em nenhuma das minhas escritas (poéticas, ensaísticas, ficcionais etc.) nunca fui ou quis ser sincera. Não quer dizer que não tenha tentado com elas exercitar o que disse Foucault da parrésia (παρρησία) – como um certo modo do dizer verdadeiro.

Cena 1:

Nunca menti em um livro. Nem na vida. Exceto para os homens. Escrever. Essa foi a única coisa que habitou a minha vida (...). Essa real solidão do corpo transforma-se na outra, inviolável, a solidão da escrita. Posso dizer aquilo que quero e não descobrirei jamais por que razão se escreve e como não se escreve. (Duras, 1994). Escrever assinala uma decisão. É um ato. Estou convencida de que organizar o pessimismo é um ato revolucionário. Digamos que recolho o que me atravessa, em seguida o incluo nisso sobre o qual trabalho. O agenciamento se faz de maneira bastante artesanal, quase intuitiva. Como se deslocam as cores sobre uma página. Eu quero simplesmente escapar a um oportunismo de época que defende uma forma de divertimento cultural entre a indiferença esclarecida e o cinismo chique. Para mim escrever é em parte buscar uma forma de insubmissão. A literatura é um campo de experimentações vitais. Enquanto a linguagem escapa ao controle. O poema sabe bem mais longe do que nós. (Giraudon, 2017). Ao longo do meu percurso de atuação acadêmica a escrita, o escrever, a força poética e inventiva, e mesmo ficcional, dos meus textos era o que havia de mais forte – digamos o traço mais subjetivo e proeminente do meu olhar e incluso das minhas percepções e hipóteses críticas diante do mundo. E os desabamentos dele. Mas também foi isso que sofreu as maiores correções. Escrever é também e em parte combater um status quo do pensamento. A escrita não é a vista. O que está fora. Também não é o interior. O dentro. Ela é a dobra. O ranger constante dessa dobradiça de ferro velho. De uma janela. Qualquer. (Kiffer, 2017). Ter ideias talvez seja abrir o cotidiano de um amor louco através de planos que deixem passar a vida. A vida para todo mundo – não somente a sua vida. (Girard, 2017). Escrever é criar um plano. Fazê-lo transpassar. Transpassar é também esburacar o nosso tempo. E espaço. Um outro espaço-tempo acolhe o escrever. E sobre o plano sempre algo desliza. Uma nota. Uma cor. Um cheiro. Um som. São as borras. O limbo de onde se escreve. Depois é outra coisa. Os arranjos já são casos. Mas essa borra. Esses pedaços de corpos. Ah essa borra. É a lama comum do escritor. Como cada um chafurda. Outro episódio. O desejo. Esse acoplamento inconsciente e maquínico. Assubjetivo. Se pensamos em contornos. Ainda ali inexistentes. O desejo é nesse momento ainda um gesto sôfrego. Um impulso sem objeto. Uma força sem superfície. Não. Nem a língua. Ali ainda apátrida. Não. Nem um corpo. Pedaços de coisas. Borra. Reunião de restos. Lama comum. (Kiffer, 2017).

*

Esse texto sobre o desejo de escrita de fato é um gesto amoroso que ofereço ao grande texto ‘A preparação do romance’ de R. Barthes que por algum tempo habitou minhas reflexões numa espécie de doce compulsão. Ele é aqui uma potência muda.  Dele me desloco. Olhando do outro lado. Não incompatível. Ou oposto. Mas que, digamos, dá uma volta. E vem colocar face à ‘fantasia’ a compulsão, face ao ‘meio do caminho da vida’ um lodo imemorial e maquínico, e face ao ‘desejo de romance’ e às grandes obras os cadernos, e suas passagens as vezes estranguladas entre os regimes, a rasura, o menor. Ah sim, claro, face ao discurso teórico dos grandes autores homens algumas vozes de mulheres.
3 cenas compõem esta fala. A primeira delas já indicada no fragmento de abertura. Ele mesmo feito de trechos de 4 diferentes mulheres: Marguerite Duras, Liliane Giraudon, Mathilde Girard e eu mesma. Onde nesse encadear de vozes aborda-se essa dupla injunção do desejo de escrita que se situa ao mesmo tempo que extrapola a história – a linha de chronos. Aliando-se a uma espécie de duplo constrangimento: o do nosso tempo, questões e impasses. Mas também a essa espécie de compulsão. Que salienta um movimento e um modo de circuito maquínico. Constante. Próximo às forças pulsionais.
Na segunda cena vamos olhar para isso mais de perto. E circunscrever esse acontecimento às mulheres. E ainda mais à escrita de papéis soltos. Notas. Cadernos. De mulheres. O caderno como obra. Mas ainda assim visto dentro de um circuito de precariedade da condição subalterna da mulher. Essa condição é político-subjetiva. Ela aqui não estará nesse momento sendo pensada em sua dimensão sócio econômica. Mas faço notar: obvio que a ausência e a escassez de cadernos, de arquivos acessíveis de mulheres e sobretudo de mulheres negras é indicador de que essa subalternização impede a produção escriturária da mulher, negra e pobre de se fazer. E depois de se publicizar. Leia-se de se publicar.
Nessa cena falarei brevemente de 2 cadernos de 2 mulheres. Louise Bourgeois e Anne Sauvanguargues. A primeira uma artista (que como Antonin Artaud) teve uma imensa escrita de cadernos, que ela mesmo nomeou e organizou: diários de infância, diários de análise, cadernos de artista, entre outros – eu tomo Bourgeois –como tomei Artaud noutro momento- um tanto como paradigma de reflexão disso que quero pontuar aqui como esse desejo proliferante ou maquínico de escrita. Dentro de sua vasta produção de cadernos, escolhi os intitulados desenhos da insônia.
Em seguida finalizo com um diálogo-reflexivo a partir do meu encontro – que ocorreu em janeiro de 2017 com a Anne Sauvanguargues, teórica e diretora da escola de filosofia de Paris 10 e uma artista que cria exclusivamente com cadernos. Partirei incluso do meu pequenino caderno de anotações que estava ali comigo nesse encontro que durou cerca de oito horas de conversa. Leitura de fragmentos. Abertura de acervo. Busca de cadernos esquecidos, etc.
Gostaria que essa reflexão em torno ao desejo de escrita encetasse, tocasse, se aproximasse delicadamente desse centro-nodal até certo ponto indizível – muitas vezes incluso invivível- que chamamos de pulsional, sem no entanto ter que recorrer às teorias do trauma ou do irrepresentável. Quero como que buscar um modo mais delicado de abordar esse horror. Também um pouco menos trágico. E mais cotidiano. Afinal a gente escreve.

*

Cena 2: Foi essa delicadeza que insurgiu para mim quando aproximei-me dos desenhos de insônia de Louise Bourgeois. Estava ali diante do que Bernadac chamou de “tendre compulsions”. Exatamente o que buscava eu mesma – depois de anos soterrada pelas brutalidades dos autores que escolhi, e mesmo pela brutalidade dos silêncios que me foram amordaçando. Encontrava com ela essa espécie de compulsão sensível, ou mesmo terna, que apontava para a direção exata do crivo que continua interessando-me traçar entre os corpos e as escritas.

Algo que pudesse remeter e refletir sobre esse circuito pulsional da escrita mas ainda assim abraçar o dia a dia da vida – circuito este que leio aqui também através de outras aparições morfo-imagéticas, tais como: físico, carnal, intuitivo, mágico, imemorial, ancestral, maquínico, proliferante entre outros. Abro uma nota: nenhuma dessas alusões associam essa reflexão sobre uma escrita proliferante à noção de escrita automática dos surrealistas. Como já desenvolvi longamente isso no meu livro sobre Artaud (EDUERJ, 2016) permito-me aqui apenas indicar a questão.
Agora estou menos preocupada com as linhagens dos pensamentos que definem esta ou aquela noção ou imagem indicada acima, ou mesmo com a discussão intrínseca que encetaria cada uma delas. Quero tentar fisgar uma reflexão – compor um plano – uma cena inicial que borre o desejo de escrita de sua historicidade narrativa – a morte da mãe ou a guerra. E a envolva nesse gesto material e presente – do escrever. Do como se escreve. Quais as movências que escrever mobiliza. Como nos deslocamos – subjetiva, política e mesmo espaço-temporalmente em escrevendo. Ainda hoje.
Louise Bourgeois, o que são esses desenhos da insônia? Como acordar ou mesmo não dormir escrevendo e desenhando? Suportando essa doce compulsão. Ou mesmo dobrando em terno o inevitável buraco da angústia noturna? Tornando sensível o horror. A compulsão seria aqui então não aquele vício repetitivo e vazio imposto cotidianamente como modo de vida normopático, mas essa dobra minúscula, feita de um esforço imenso e aparentemente tão pequeno como o de uma mosca, ou aranha, ir ali rabiscar toda noite? Fazendo com que a escrita viva em regimes não visitados em suas descrições? Feito de um algo entre o brutal da vida e a fragilidade do papel? Quiçá seja o inverso – a brutalidade desse papel. E a fragilidade da vida. Mas algo como que se dobra nesses desenhos da insônia. A sua inscrição gráfica. Notacional. Repetitiva. Circular. Ou cortante. Feita de planos. Linhas. Curvas. Letras decaídas. Lembretes. É preciso não esquecer.
Como se sabe a relação entre escrita e desenho pontua toda a obra de Bourgeois. Louise cuidou com afinco da sua escrita de diários, desde os diários guardados de sua infância (1923), os diários constantes da vida adulta, assim como de sua correspondência. Os diários íntimos, por ela mesmo assim intitulados, são alimentados tanto por um conjunto denso de elaborações de angústias, quanto por passagens cotidianas da vida. Em meio aos diários, aos arquivos de notas, aos desenhos ou esboço de obras, aos textos poéticos e aos portfólios de gravuras insurge um conjunto de “escritos desenhados que chegam ao conjunto de 200 textos e desenhos realizados entre novembro 1994 e junho de 1995 constituindo os ‘desenhos da insônia’” .


Do que pude notar até agora tais desenhos-escritos aproximam-se do contorno que venho encetando com os cadernos. Bourgeois trata ai, diferente da correspondência ou mesmo dos seus diários íntimos de “ao invés de desenhar (...) compor frases (que tem um sentido) que são mensagens” . Mensagens que para mim apontam para aquele destino mágico que deseja Artaud com seus escritos, os sorts, mas também com sua poética de batuques e palavras sem sentido – o endereçar ao corpo, e mesmo às bordas do corpo, essas zonas de compulsão, de conexão maquínica entre os corpos do mundo. Efeitos de tambores e cantos. arrepios.
As frases de Louise parece que escapam, criando derivas que vagueiam do traço pictórico à notação musical. Mensagens como que cifradas – a meio caminho: sonho e vigília, dia e noite, escrita e traço, realidade e fabulação.
Ainda segundo Bernadac:
Esses textos são de natureza diferente. As vezes cobrem toda a página ou então são escritos no verso do desenho. Os suportes são variados: papel de música, envelopes, papel com linha, quadriculado. A maior parte redigido em francês, mas com pedaços em inglês. As duas línguas coabitam. Trata-se unicamente de notas tomadas de memória (número de telefone, encontros). Louise Bourgeois sente de fato a necessidade de notar (grifo meu), escrever nomes próprios, das pessoas que passam, da sua família, dos amigos. (Bernadac, 2014, p.25-26).

Nota-se aqui também essa porosidade psíquica e linguística que pode eclodir nos cadernos. A escrita aproximando-se da notação assume seu caráter em parte performático, também presente nos cadernos de Artaud, e em parte pulsional, próxima a esses regimes de borda. Sejam bordas subjetivas, políticas ou mesmo físicas, como parece no caso da insônia.
O traço assume a sua potência singular, incisão e efetuação. Esse traço ininterrupto e frágil – quebradiço. Isso é paradoxal. Quebrar e continuar. E o tempo como que se desfazendo no emaranhado da insônia – essa névoa da noite – sem hora. Esse agora eterno. Essa longa duração, a mais efêmera.
Desses impossíveis são alimentadas as insônias. Desses traços do que não se esquece e do que se tem medo de não lembrar no dia seguinte. Entre as listas, as horas, os apontamentos, os deveres, as frases a serem anotadas que vão como que, sem percebermos, migrando para aquela frase que deveria ter sido dita antes de que você se fosse, a última noite antes da sua morte e tudo o que não se pôde dizer: entre o cotidiano e o trágico – esse é o intervalo existencial da insônia. Essa a intensidade noturna, inconfessável, não diarística. E que indica as qualidades distintas do dia e da noite. Esse espaço que chama o diferir dos dias, dias diante dos quais seremos de novo obrigados a ficarmos eretos.

Enquanto ali, rastejando no limbo da insônia – somos levados pelo fora da noite -como queria Blanchot- a esse umbigo indecifrável que, por mais que tenhamos domesticado, insiste em ser, fugindo, o escrever.
Os traços de Louise são ternos e frenéticos – paradoxo que corrobora com esse universo límbico mas que aqui, por onde tento olhá-los, vem induzir e adensar esse desejo de escrita que prolifera nos cadernos e que une e desune a letra ao desenho, como se fossemos convidados a suspender as mediações e ingressar nessa espécie de língua pulsional (experiências linguísticas, físicas e psíquicas a priori porosas) – colocando em cena um corpo ao mesmo tempo precário e potente. Sim, de novo o paradoxo.
Mas ainda assim querem situar essa escrita como terapêutica. E a arte não tenta também e de algum modo uma maneira de curar? O incurável. Esse olhar que inferioriza a terapêutica, o clínico, ou o regime do íntimo foi construído por um ponto de vista masculino. Que definiu um modo de ser e estar no laço social. Forma que domestica e/ou aprisiona as condições materiais da vida da mulher. E que evita a magia. Ou a floresta, como queria Duras. O que é mágico não é isso ou aquilo. Mas essa bruxaria das passagens. Que ainda desconhecemos. Frutos que somos do isto ou daquilo. Os desenhos da insônia, aliás como os cadernos da Anne, burlam o regime do íntimo e do interior enquanto narrativas do controle e da disciplina.
Nas bordas desses regimes somos pedaços de coisas. Esse é o meu olhar poético sobre o regime escriturário e visual do caderno – pedaços de coisas. O caderno é um meio. Um milieu de passagens. No caso dos desenhos da insônia entre o circuito físico e mágico das afecções sem sentido ou finalidade do corpo e o regime poético. Entre o regime poético e a notação musical. Entre o regime sonoro e o verbal. Entre o verbal e o pictórico. Mas notem. Tudo isso sempre está em tudo o que escrevemos. Apenas aqui está apenas isso. A força do não tratamento. A possibilidade de escapar ou de evitar – como disse para mim a Anne Sauvanguargues- os vícios inerentes a um determinado e exclusivo regime discursivo é o algo que singulariza o caderno.
A compulsão terna seria, ao fim e ao cabo, um modo de fazer fugir, de desviar da repetição – que é o comportamento majoritário da compulsão entre nós? Esse fixador permanente das vidas. Essa força eterna e mortificante. Que tanto banha como delimita o que é isto ou aquilo e aonde nos inscrevemos nisso ou naquilo? A Poesia. A Pintura. A Prosa. O Ensaio. A Crítica. Afinal, quem é você?

*

Cena 3: Ana não é possível que você ainda tenha que responder a essa pergunta. O caderno é a obra. A obra é o caderno.
Desenho do caderno do México de Anne Sauvagnargues

Mas Anne as minhas bocas banguelas ainda não encontraram os caninos para não precisar responder. Entenda que de outro modo estou também circunscrita por um precário. Mas isso você deve sublinhar Ana: toda criatividade insurge através dos seus constrangimentos. Não, essa tradução não é boa. Você me disse contrainte. Que é mais forte. Constranger é mais do que a feição da nossa amada sociabilidade brasileira deu a ela. Os constrangimentos agem de forma mais intensiva, e mesmo mais difusa no corpo que o suporta. As bochechas rosadas dos brancos nos salões não entendem as máscaras que amordaçavam as línguas e a mandíbula das escravas negras. Constranger é usar aquela máscara. É coagir. É restringir. Sim concordo. Encontre um modo de dizer em português. No meu caso você deve também dizer que o meu reconhecimento intelectual. A minha função constante na universidade. Você sabe. Estou cansada. Minha caixa de e-mails está abarrotada. Eles não entendem. De todo modo nunca tive um atelier. Entenda isso. Sou uma professora universitária. E uma artista sem ateliê. Então para mim os meus cadernos são o meu ateliê. Eu os tenho sobre os meus joelhos. Costumo dizer que sou o Alberti do RER. risos. Desde a eEcole de Beaux-Arts -aonde me formei- desenhava no trem ou metrô os meus cadernos. Que datam já dessa época. Mas Anne imagine que num país como o Brasil. A precarização é um sucateamento. É essa mordaça. Eu sei disso. Mas note que todo agenciamento escrituarário. De criação. É um acoplamento maquínico precário.
cadernos de Anne Sauvagnargues

Quando estou ali desenhando. Os meus cadernos são pedaços de todos os meus companheiros sociais – o sinal de trânsito. As antenas de televisão que desenho desde 1993 – em todos os países aonde já fui. Como intelectual claro. Os fios elétricos. (Sim compartilhamos desde o nosso primeiro encontro essa nossa compulsão terna pelos fios elétricos). Não sou eu sozinha com o meu caderno. A cadeira aonde me sento é um objeto sensório-motor. Um sinal vermelho nunca será o mesmo aqui ou no Rio. Tudo isso indica um modo de subjetivação social. Também estou constrangida pelo limite das canetas que consigo ter nas minhas mãos quando desenho. Sempre em deslocamento. Em movimento. Desenho ou pinto nos lugares aonde os outros não fazem nada. Tudo o que escrevo-desenho toma as coisas não numa escala individual. Mas as coisas conectadas. Como conecta-se a lixeira com a torre Eiffel? Mas então somos pedaços de coisas. Borras. Restos. Conectados por dessemelhanças. Isso é você que está dizendo. Sim Anne isto sou eu que estou dizendo.
Mas como vou dizer disso num espaço literário? A arte criou até o não-objeto. E suas teorias. Nós somos amantes inconfessos da forma imutável. O livro. E suas figuras individuais – o poema. o romance. a obra. Ana você teria de convencê-los de que tudo erra. Escapa. Fracassa. Falha. J’ai ratée tout ce que j’ai fait. Não vou conseguir traduzir isso Anne. Vou traduzir o seu poema do camelo. Vou traduzir o camelo. E depois vou com ele. Ao meu deserto.
Obrigada.



Notas:
  BERNADAC, M.L. “Tendre compulsions, les écrits de Louise Bourgeois”. IN: Les Écrits d’årtistes depuis 1940. LAVAILLANT, P. (org.). p 25.

  BOURGEOIS, L. apud BERNADAC, M.L. IN: “Tendre compulsions, les écrits de Louise Bourgeois”. IN: Les Écrits d’årtistes depuis 1940. LAVAILLANT, P. (org.). p 25.

Emprego aqui, em outra direção a forte imagem da máscara desenvolvida e evocada por
Grada Kilomba no livro (publicado em ingles apesar de escrito em português e certamente não por acaso) cujo capítulo “A Máscara” foi traduzido por Jessica Oliveira de Jesus.
Ver: KILOMBA, Grada. “The Mask” In: Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism._ Münster: Unrast Verlag, 2. Edição,2010.

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