livro todo mar [2]

de tipo sanguínea



só uma imagem
sem rima. sem história.
não era o mar. mas a sua fotografia pálida
das horas.
como elas caem sobre as gotas.
e a espessura delas.
não. só uma história. como outra. com outra.
uma qualquer. sem nome. repetia.
o meu coração grita. e estou surda. em silêncio.
grita quando vejo a menina da esquina. grita quando me impedem de dizer. todos os dias.
grita com a lamúria branca. grita com as incessantes rasteiras. os ratos. os vermes.
grita sem parar desde que tiraram de lá uma mulher. grita porque as mulheres.
grita pelo camelo da anne. a cada gota de suor do meu caderno.
grita as mortes que carrego. o fundo sujo dos mares.
grita cada resto plantado em minha infância. roubado o grito.
grita ainda assim entrecortado. aberto. esganiçado. por entre a porta que você fechou.
grita pelo peito arrombado. o transplante sem terra. o oco.
grita extirpado dele mesmo. grita degolado.
o amor.
era o manto dela.
cobrindo-nos as pernas.
era o peito amputado do tempo.
a espessura dele.
era um tecido bruto.
sobre as cargas. o peso. a estrada. 
era uma reta infinita. esburacada.
não havia no fim nenhuma vista.
não havia fim. 
a espessura dele.
suspensa entre nós
essa água funda.
turva. pouco vista. tipo cansada. 
de planos moventes. movediços.
a espessura deles.
essa revolução sem forma ou nome.
sem tipo. sanguínea. apenas.
sem adereço. bandeira. farrapo. sem preço. sem valor.
a espessura dela.
revolvendo filigranas da passagem. sem vento.
pousada aqui. sob os dedos trêmulos dessa máquina que inventamos.
porque morremos.
a espessura disso.
que o poema funda. no seu meio abismal. entre nós. 
lugar algum. a paisagem cansada de ser. 
lenta. 
levantando para acabar com uma letra só.
o ó. repetidas vezes. sem nenhuma sílaba. 
o po desfeito. sem sucessão. 
e a espessura disso.
encerrando-nos cada vez mais. aqui. 
feitos dele. dessa matéria solvida nos dedos. 
na espessura dela.
no pó da letra. no o. 
do poema.

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