la maladie de la langue



caderno de estrangeirices 1

ser estrangeiro é aceitar viver na borda. viver na borda pode ser drástico ou esquizo. aqui está em jogo apenas o capital real. e já não o simbólico.

de fato entre o desejo e a aceitação de nunca fazer parte de algo, de qualquer coisa, é onde uma experiência do exilio e do ser estrangeiro se constitui.

há um mito, já ultrapassado, mas que se alimenta das bocas comuns, do francês médio, que a frança é o lugar do estrangeiro – hoje dito entre os dentes, entre a honra e o ódio para com o imaginário fundacional (a ser desconstruído por todo estrangeiro que pisa aqui) do “droit de l’homme”.

às vezes acredito que nós já descontruímos Iracema. mas não acredito que tenham desconstruído, na terra da desconstrução, o mito do “droit de l’homme” e a frança en tête dele.

uma frança cansada dos seus direitos corrompidos. de um funcionalismo público que se alimenta em parte da arrogância e em parte da cultura do não (cito aqui Oiara Bonilla) vai criando um lugar curiosamente "especial" para o ser estrangeiro – ou ser imigrante – ou expatriado – termos que aqui se confundem na reivindicação por “direitos” perante o estado francês.

mas não pense que tudo nestas minhas notas será tão sério. esse prelúdio esconde a sua matéria mais suja. sobre a qual tentarei me debruçar ao longo de minha existência aqui. afeita que sou às sujeiras do mundo. 

vou falar nesse "caderno de notas" de um tipo muito específico de doença. tentarei exemplificar com uma grande quantidade de exemplos os seus variados sintomas. trata-se da doença da língua francesa – a partir de now: la maladie de la langue.

à moda dos folhetins –já esquecidos – mas que no entanto deveriam continuar vigorando como gosto da classe média francesa – escreverei esse caderno, em série. adoro séries e sujeiras. quem me lê já sabe. quiçá seja uma torção nas repetições traumáticas causadas pelos excessos interpretativos.

por algum lugar, em meio às lutas que vimos traçando para afirmar desejos, singularidades e pertencimentos, há de sair esse meu sujo desterro. essa minha revolta cotidiana com o: "ah, não, você não pode, seu passaporte não é europeu!" de um modo muito “polido” –sintoma da maladie de la langue sobre o qual também falaremos mais a frente- escuta-se todos os dias em diferentes lugares: “você tem um passaporte especial”.


sim, na frança, ser estrangeiro equivale a ser especial!!! descubram o sentido disso. repito: ausente nos dicionários!

PS.: a loja chula de cosméticos que aparece na foto não me paga nada. nem poderia, com esse meu passaporte, receber!!!!

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